Crise é, para o médico, mudança repentina do estado de saúde de um paciente. Decorre do equilíbrio instável da luta entre o agente agressor e as forças de defesa existentes, mobilizadas pelo organismo. A manifestação clínica é brusca e indica o momento crítico para o doente pois pode evoluir para a cura rápida ou para a sucumbência. Tal quadro pode ser generalizado considerando-o não só para o organismo humano como também para o social ou mesmo societário.
O ideograma chinês, utilizado para transmitir a idéia de crise é composto de duas partes. A do alto da figura traduz perigo, serve de sinal de alerta pois, revela o risco iminente e a da base, oportunidade, significando possibilidade de solução, de melhoria, de refinamento e de purificação. Todo o conjunto tem em si uma grande lição: embora uma crise desgaste e, traga o risco de abalar uma entidade podendo aniquilá-la, por outro lado também, desde que superada, abre caminho para a melhoria, até mesmo evolução e progresso. É evidente que, para aproveitar a oportunidade, usa-se inteligência, bom senso, esforço e dedicação daqueles que tem competência e estão sinceramente interessados em resolver o problema e, que fundamentalmente tenham espírito público elevado.
Uma pequena digressão permite lembrar que, em nosso idioma, palavras de sentido opostos podem compor expressões equivalentes, às vezes até mesmo com algum matiz de ênfase. É exemplo que ocorre em uma de nossas praias onde uma “casa de força” alambrada, tem dois portões com placas de alerta onde, de um lado, está escrito “perigo de vida” e, de outro, “perigo de morte”. Vida e morte, vocábulos antagônicos, no caso, com o mesmo sentido, induzem para seu entendimento, um pensamento reflexivo. É o que está faltando e muito.
O momento atual é especial pois mobiliza os interessados que devem assumir sua parcela de responsabilidade. Tal sentimento generalizado, que se poderia chamar de consciência coletiva, torna o momento propício para reflexão. Lembro Paulo Duarte, jornalista que, ao lado de Júlio de Mesquita Filho, ajudou Armando de Salles Oliveira a fundar a Universidade de São Paulo, que relatou um diálogo que teve com Paul Rivet, Diretor do Museu do Homem de Paris, no seguinte teor: “se o marciano pudesse observar a Terra no momento em que a reflexão surgiu, ele não se admiraria da luz dos cataclismos e, nem da bomba atômica mas, se ofuscaria diante da luz da reflexão”.
Contando com essa energia, um raio de iluminação da inteligência dos homens públicos e, sobretudo a força moral que aliás, está se rarefazendo assustadoramente, nesse governo, é hora de deixar de lado interesses escusos pessoais e materiais para solucionar esse caos em que se encontra a aviação civil do país.
São Paulo é hoje uma base aérea anárquica. Passa avião de passageiros e de carga bem como, helicóptero por toda a cidade, todo o dia e o dia todo! Não respeitam nem as rotas oficiais. Informação é vocábulo que está mudando seu significado para enganação pois as autoridades não se avexam em dizer que “amanhã” estará tudo regularizado. Esse amanhã não chega, parece que titubeiam entre o perigo de vida ou de morte. Será que somente uma catástrofe vai ser necessária para responsabilizar tanta incompetência?
* O Dr. Irany Novah Moraes foi professor da Faculdade de Medicina da USP; é médico e autor de Erro Médico e a Justiça, RT, 5ª edição, 2003; e Tratado de Clínica Cirúrgica, 2 vol. 2300 pgs., Ed. Roca, 2005.