Tenho a honra, e o orgulho, de ter sido colega de turma – a 15ª Turma da Escola Paulista de Medicina, a nossa gloriosa “Escolinha”, de 1952 – do César, sua estrela maior.
Fui testemunha do esforço, suor e sacrifício que custou ao César se formar em Medicina. Tendo que trabalhar, por necessidade, durante todo o seu brilhante curso Médico, à noite, foi discotecário da extinta Rádio Kosmos, hoje América, de início, e, depois, revisor do jornal “Folha de São Paulo”, até o final de seu curso.
Filho do humilde, mas radicalmente honesto casal Maria e Luiz Timo-laria hauriu, com o leite materno, os rígidos princípios de honradez, integridade, decência e brio que nortearam toda a sua vida.
Sem nenhuma crença religiosa (só acreditava na ciência), embora respeitando todas elas, era visceralmente honesto e foi um dos homens mais decentes e dignos que conheci em minha já longa existência.
Tinha horror aos medíocres; dizia-me sempre que dos professores que nada exigiam – os “bonzinhos” – nenhuma lembrança ficou, mas que se recordaria sempre, com saudade e carinho, dos que exigiam que estudasse.
Sabia, porém, dar valor aos que o tinham; assim, orientou e formou uma plêiade de estudantes em seus cursos de Pós-Graduação, Mestrado e Doutorado, ajudando alguns financeiramente até, sem disso jactar-se ou disso fazer praça. Seu sonho, aliás, como me confidenciou, era que seus inúmeros alunos continuassem seu trabalho e suas pesquisas.
A reforma que fez no Departamento que dirigiu por tantos anos na Faculdade de Medicina da Universidade de São Paulo – foi o fundador da Neurociência brasileira – deixou admirado a todos que dela tiveram conhecimento.
O Professor Doutor César Timo-laria quase foi aposentado, em 1975, pelo governo militar de então, denunciado que foi, por um “colega”, como comunista!…
Fluente em Inglês, Francês, Espanhol e Italiano, tinha o Português escorreito, atiço, castiço.
O discurso com que recebeu os novos membros eleitos em 2002 para a Academia Brasileira de Ciências é uma peça de arte oratória e de erudição. Tenho comigo, aliás, um escrito seu em que ele dá uma verdadeira Aula Magna de Gramática e Língua Portuguesa.
Freqüentava os clássicos: Machado, Corção, Castro Alves, Dostoieviski, Dante, Shakespeare, Cervantes (ele que foi verdadeiro Dom Quixote a lutar contra os moinhos de vento das, muitas vezes, dinossáuricas instituições científicas não só do Brasil); gostava, e muito, também de músicos como Beethoven, Tchaicovisky, Mozart e do maior de todos, J. S. Bach.
Um dos últimos abencerragem de nossa Cultura e de nossa Ciência, tinha acendrado amor pela nobre profissão que exercia com tanta paixão e tanto dar de si; ensinar era sua vida.
Acolitado por sua dedicada esposa Mariazinha, companheira de mais de cinqüenta anos – ninguém poderia querer melhor escudeira – percorreu, praticamente, o mundo todo, dando suas magistrais aulas e conferências nessas ocasiões.
“ O que superioriza o caráter de um homem é a firmeza de princípios. Ser útil, obriga a ser bom; leva a ser firme; ser firme, significa ser forte. Neste instante histórico da vida humana em que rareia a abnegação pessoal desprendida de alto idealismo, no qual cresce, avassaladora, a onda de egoísmo, quando um indiferentismo sem norte e sem honra por vezes substitui convicções e os mais altos interesses espirituais e quando o homem se sente, muitas vezes, traído é belo e reconfortante recordar a vida daqueles que trabalham na messe da Ciência com C maiúsculo, como você, preluzentíssimo integrante desse exército” querido amigo.
A Revista Ciência e Saúde, órgão oficial da INCISA, em seu número 15, de Abril/Junho de 1999, que homenageia o Prof. Dr. César Timo-laria traz em seu bojo, além de numerosos artigos do grande professor, dois outros a seu respeito: um da Dra. Marisa Amato que termina com uma frase que, na minha opinião, é um verdadeiro achado: “Esse é o Professor César Timo-laria”. E era mesmo Doutora Marisa; e outro, do também grande Professor Irany Novah Moraes, luminar de nossa Ciência Médica ele também, que tem como mote a frase latina do poeta Virgílio: “Felix qui potuit rerum cognascere causa” (Feliz é quem sabe da razão das coisas) no qual, além de discorrer sobre o que é ser paradigma, o Prof. Irany fala do mais ilustre Professor de Fisiologia da elite cultural médica de nosso país, o Prof. Dr. César Timo-laria.
Você, César, que com tanto estoicismo, um estoicismo ímpar, e que com tanta dignidade enfrentou a inelutável doença que, por cruel ironia do destino o vitimou, vai em paz querido amigo. Que a generosa terra brasileira que agora o recebe em seu seio, lhe seja leve. Como diz o Eclesiastes: “Sua memória durará, para nós, tanto quanto o sol”.
Como você mesmo disse em sua poesia “Ciclo”: “saudade, dor derradeira”.
Essa é a dor que ficará conosco; ficarão, porém, também, conosco, os exemplos de sua vida modelar.
Você cumpriu, com brilho inexcedível, a missão que tinha a cumprir aqui. Só as descobertas que trouxe para a nossa Ciência Médica sobre o sono (descobriu o centro gerador do sono, o fator natriurético atrial, os mecanismos que regulam rigidamente a glicemia, e o mecanismo da fome, entre outras tantas descobertas), bastariam para marcá-lo; mas você fez muito mais: espirituoso e eclético, até sobre a história da pizza escreveu!
Obrigado por ter existido e nos ter dado a todos nós, tantas lições, César!
Até um dia, AMIGO!
Newton Alves