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Frankenstein, Lipedema e a Ilusão da Cura Imediata

Quando Mary Shelley concebeu Frankenstein, em 1818, a eletricidade era o símbolo máximo do poder científico. Parecia plausível acreditar que um raio pudesse insuflar vida em um corpo inerte. Mas o que a obra revela, em última instância, é o erro de reduzir a vida a um simples impulso energético, ignorando as múltiplas camadas de processos que a sustentam. O monstro de Frankenstein nasce não da eletricidade em si, mas da arrogância de querer dominar o que ainda não se compreende.

A reflexão que esse clássico nos inspira ecoa no presente, diante do lipedema. Ainda buscamos a “faísca” salvadora: uma técnica cirúrgica perfeita, uma pílula milagrosa, uma solução imediata que apague a doença como se fosse fruto apenas de acúmulos de gordura. Mas a experiência nos mostra que essa visão é tão reducionista quanto a de Frankenstein. A verdadeira complexidade do lipedema não se resolve apenas com bisturis mais afiados ou moléculas mais potentes.

Aqui entra uma lição contemporânea trazida pelo livro Why Greatness Cannot Be Planned: a grandiosidade não pode ser desenhada em um mapa de metas rígidas. Muitas das maiores descobertas da ciência não surgiram porque alguém definiu o objetivo final de antemão, mas porque exploradores curiosos seguiram caminhos inesperados. É como tentar atravessar uma floresta: se você só olha para o ponto final no mapa, pode ignorar os atalhos, as trilhas escondidas e até as clareiras que levam a horizontes melhores.

Na medicina, temos inúmeros exemplos que ilustram esse princípio. O desenvolvimento dos betabloqueadores, por exemplo, não nasceu da busca direta por uma droga que salvasse milhões de pacientes com insuficiência cardíaca. Pelo contrário: inicialmente, acreditava-se que esses fármacos seriam prejudiciais nesse contexto. Foi somente pela curiosidade de alguns clínicos, que ousaram explorar uma hipótese aparentemente contraditória, que se descobriu seu benefício revolucionário. Essa trajetória mostra que a medicina avança não apenas pelo cumprimento linear de objetivos, mas pelo reconhecimento de que a exploração de vias alternativas pode abrir portas inesperadas.

No lipedema, o mesmo se aplica. A cura talvez não virá de insistirmos em objetivos estreitos — aperfeiçoar indefinidamente a cirurgia, buscar incansavelmente a droga “perfeita”. O avanço real pode emergir de pesquisas que, à primeira vista, parecem laterais: compreender o papel da inflamação, desvendar interações genéticas, explorar conexões com microbiota ou metabolismo. Cada descoberta, mesmo sem ser a “meta final”, pode abrir portas inesperadas rumo a tratamentos eficazes.

Assim como a vida não nasce de um raio, a cura do lipedema não virá de uma centelha isolada nem de um plano inflexível. Virá da soma de conhecimentos integrados, da curiosidade em explorar territórios ainda obscuros e da coragem de aceitar que a rota para grandes conquistas é, muitas vezes, indireta. É essa travessia — e não a ilusão da solução imediata — que nos aproxima de um futuro em que possamos oferecer não apenas alívio, mas verdadeira esperança.

 

Alexandre Campos Moraes Amato

Cirurgião Vascular

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