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Salto Alto e Saia Justa

 

PROF. DR. IRANY NOVAH MORAES

Foi professor da USP; é autor do ERRO MÉDICO E A JUSTIÇA, RT, 732p., 2003.

Salto alto é artifício para aumentar a elegância da mulher de maneira a ressaltar sua beleza. Trata-se apenas um dos requisitos do sapato para contribuir na ornamentária complementar dando, pela leveza sutil, graça ao andar.

A natureza, na série animal, quando levantou o homem e o colocou de pé, seguiu um fascinante projeto arquitetônico, com arcadas de apoios. Utilizou blocos de um concreto especial – os ossos – e assentou-os com junturas peculiares – as articulações, que possibilitam mobilidade. Reforçadas por resistentes vigas – os ligamentos – e lubrificadas com o mais perfeito líquido protetor permanente – a sinovia. Um complexo sistema de cabos e polias, tendões musculares e bainhas – transmite grande energia – a força muscular – capaz de mobilizar todo conjunto – e levar o corpo, que carrega, andar e correr longas distâncias.

Integra a construção complexo sistema hidráulico – artérias, veias e linfáticos -, dispondo de válvulas e até de uma bomba de recalque para ajudar a levar o sangue a andares superiores. O seu avançado sistema de comunicação, dispõe de linhas bem isoladas e perfeitamente distribuídas – nervos – utilizando sensores capazes de distinguir dor, posição, calor, informando as condições de temperatura, se quente ou fria – terminações nervosas sensitivas -; tudo acoplado ao computador – cérebro – aliás o mais perfeito de todos, por ter inteligência e praticamente não gastar energia em suas operações.

O acabamento geral é feito com um revestimento em camadas – a pele – com resistências variadas. Para completar, dispõe ainda de elementos de proteção e defesa – pêlos e unhas.

O pé tem três pontos de apoio: um posterior, no calcanhar, e dois anteriores sendo um de cada lado. Os três pontos unidos formam um triângulo que apresenta dois arcos: o transverso, unindo os apoios anteriores, e o longitudinal, unindo o anterior ao posterior, passando pelo lado interno do pé. A pele, pelo atrito, como resposta fisiológica natural, aumenta sua espessura; cresce a camada de células mortas e assim a hiperqueratose ou a calosidade aumenta, em grande intensidade nos pontos de maior apoio.

O conhecimento da anatomia, como foi apresentado, é suficiente para se entender como alguns fatos se passam e o porque de certos procedimentos, bem como, a interpretação equivocada de outros. Destaco duas queixas comuns de muitos pacientes: dor e inchaço.

A dor – as arcadas como as da engenharia civil, são projetadas para sustentar determinado peso e também, como no caso do material de construção seu uso, com o tempo, leva à fadiga. Assim, o passar dos anos é suficiente para elas arrearem. No caso de estarem submetidas a um regime de cargas superiores aquelas para as quais foram projetadas pela natureza, acabarão por fazê-las ceder e então se instala o pé plano. O conhecido “pé chato” produz alterações na estática do pé e, conseqüentemente, com repercussões. As dores nas pernas que muitos pacientes querem atribuir as veias, podem ser explicadas, ainda por analogia com a construção civil. Nos portadores de pés planos, elas correspondem às trincas nas paredes devidas a alicerces fracos. Nas duas situações, embora a manifestação esteja à cima, o problema desencadeador está a baixo.

O fato de as arcadas arrearem faz com que o andar se modifique, produzindo atrito em outras áreas da planta do pé. A pele, traumatizada constantemente, aumenta sua calosidade. Estas incomodam e agravam a maneira errada de pisar. Instala-se ciclo vicioso: aparecem calosidades que acentuam o defeito de Andar agravando o quadro.

Este problema que aparenta ser complexo, é elementar para ser entendido, mas um martírio para suas vítimas. Pode ser, resolvido com o uso de palmilha e, em obeso é amenizado com o emagrecimento, desde que atinja o peso ideal. Estas duas prescrições tão simples são dificilmente observadas. A palmilha, para a mulher, é praticamente impossível de ser usada constantemente. Poucas se submetem a usar sapatos fechados para contê-las. O uso descontínuo aumenta a dor. É como se pusesse uma escora em uma parede e todos os dias ela fosse removida e, algumas horas depois, recolocada. Compreende-se que a parede não resista e venha a ruir. Para o homem, em decorrência de sua indumentária diferente, não há esse problema e a palmilha é facilmente aceita e usada corretamente.

Há uma crença popular que leva os que têm dor nos pés e nas pernas a idéia de que elas decorrem de problemas circulatórios. Isso é mito ou melhor balela!

As dores nos pés ocorrem de múltiplas causas, mas como se pisa todos os dias, o dia todo, jogando todo peso do corpo nos dois pés, eles têm o direito de “reclamar” e o fazem pela dor. A maior parte das dores nos pés e nas pernas nada tem a ver com a circulação é problema ortopédico.

Inchaço nas pernas – o edema que aparece nos pés e pernas de pessoa que passa longas horas de pé e parada, é mais notado nos dias quentes, costuma ser resposta natural ou funcional, não significa doença, basta observar que depois de uma noite de repouso, na cama, ele desaparece. Acresce a esse fato o registro da NASA que observou nos astronautas em plena saúde, que passam meses sem gravidade, o aparecimento de edema na face e parte superior do corpo e nunca nos membros inferiores, exigindo procedimentos ativos para distribuí-lo no corpo. Assim, parece que o maior responsável pelo edema nas pernas e pés seja a gravidade!

Vejam a dinâmica do sangue venoso dos membros inferiores.

A pele da planta do pé é tão rica em veias que os anatomistas chegaram a descrever o que chamaram de “palmilha venosa” que, SILVA SANTOS do Rio de Janeiro pelo fato de a cada passo espremer uma boa quantidade de sangue na circulação chamou de “um coração no pé” em Brasil-méd, 48:2, 1934. Aliás, para mostrar a força de ejeção desse coração venoso fiz um programa para a TV Cultura na “Série Receita de Saúde” onde demonstrei o quanto a palmilha venosa joga de sangue na circulação de retorno confirmando o que RUTLEDGE demonstrou nos idos de 1942 quando publicou que a pressão venosa do indivíduo deitado é 100 milímetros de água, e 1000 quando está de pé, ao passo que, ao andar a pressão cai quase à metade o que não ocorre com tal eficiência no caso do indivíduo ter varizes ou, pelo menos, pequena estase venosa, que seja. Sendo o retorno venoso insuficiente, mesmo que insipiente, basta para causar certo extravasamento de líquido extra celular e produzir edema. Este será maior se o individuo ficar muito tempo de pé e mais intenso se permanecer parado. Certos profissionais se ressentem desse fato.

Vamos agora ao salto alto – usando salto alto a mulher joga o peso do corpo nos dois pilares anteriores dos pés. Dessa maneira reduz a alteração que a deambulação provoca evitando, no caso do pé plano, a rotação desse para apoiar na arcada longitudinal. Esse fato diminue substancialmente a dor! É isso que os menos avisados confundindo “alhos com bugalhos”, interpretam errado pensando ter algo, a ver com a circulação. De tudo que foi dito, deve ficar bem claro: raramente a dor no pé decorre de problemas circulatórios, menos vezes de alterações venosas ou linfáticas, e que não se beneficiam com salto alto. É problema ortopédico sim! O pé plano causa a dor que pode ser aliviada, pela palmilha e parcialmente pelo uso de salto alto. Este não altera, não melhora nem piora qualquer problema circulatório.

Quem acreditar que o salto alto melhora a circulação, verdadeiro milagre vai andar de salto alto e logo mais também, de saia justa.

 

 

Adicionado Jan 2014: Leia artigo recente em: http://vascular.pro/content/o-salto-alto-e-circula%C3%A7%C3%A3o

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